quarta-feira, 21 de junho de 2017

Tempo vestido de nada

Perder tempo! Tudo o que faço nesta vida de ermitã é perder tempo. Entro no metrô, observo pessoas cheias de nada, ouço conversas a que sou alheio, saio do metrô, entro em um carro, vazio de pessoas, cheias de tudo o que nada é, ouvindo conversas que escorregam pelo tempo como se fossem moinhos moendo águas de pensamentos dispersos. A cidade, fria e chuvosa, passa por mim ou passo eu por ela comigo lá dentro, dentro de uma resposta que é a resposta de não haver. Abandono o carro e sinto uma saudade, não sei bem de quê. Caminho cansado de estar cansado com um cansaço que é esta distância de ver para lá do que não vejo. Sou uma simulação de tempo, um reformado que adormece o silêncio, reformado que acorda a idade de não a ter, por a ter perdido no longínquo abraço de uma despedida que se saúda a si mesma. A rua, esta rua por onde vou, sem ir, é um movimento opaco na transparência de tudo ver, vendo que a vida é uma floresta de diálogos que esconde no seu labirinto de metáforas, as metamorfoses de um eco que me murmura a idade feminina que envelheceu o vigor de uma manhã noturna. Meu adeus! O tempo que perdi é a ciência exata que se vestiu com este tapete celular onde toda a inocência são pedaços de fome humana com que sacio este corpo que se arrasta pela idade de não a ter. Tudo o que resta é perder tempo. Tempo vestido de nada.

Bellaria-Igea Marina, 21 de Junho de 2017.

Por Renato Cresppo

A liberdade da aurora

No refugo dos pensamentos
Há formigas de carne,
Ossos de fugas diárias,
Nos acepipes das noites cruas.
São claustros de sinônimos
Que vestem quadros de cores
Aos cemitérios da consciência,
Gargantas que modelam dores
Aos subterrâneos da coragem
E sorrisos que se inventam
À fuligem dos olhos sem arte
Para romperem o cerco do medo
E plantarem nas aves do tempo
A liberdade da aurora.

Bellaria-Igea Marina, 21 de Junho de 2017.

Por Renato Cresppo

Dos mistérios da coruja e da pulga

A coruja semicerra as pestanas de azeviche enquanto as suas pupilas memorizam os sinais exteriores de uma inteligência fugaz. A pulga que saltita de folha em folha disserta sobre as palavras que não ouve e explana, em frases de finíssimas filigranas, o conteúdo de existências banais e a longevidade dos seus silêncios inexplicáveis, à luz da condição humana. A coruja é a imaginação da lucidez e a, pulga, o veículo da sua arquitetura. A elasticidade da pulga é o forno de uma linguagem que a coruja decifra e arquiva nas ramificações dos seus mistérios. A revelação dos seus sinônimos é a semente do tempo que se vive.

Bellaria-Igea Marina, 21 de Junho de 2017.

Por Renato Cresppo