segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Nas teias de uma alucinação delírica - VII - TÊ-LO-IA DIAS EM ARIDEZ

Tenho dias que vivo no deserto, entre as areias errantes, as estrelas e o Sol. Quando o vento entoa os seus cânticos de desespero, eu desapareço. Abraço-me ao alfabeto das dunas e não faço perguntas, nem ouço respostas. O vento apesar de ser um concerto de sons que lambem e lamentam toda a solidão que vestem, são o corpo do silêncio que caminha, perdido e cansado, entre a luz ofegante do Sol e a suavidade luminosa das estrelas.
A noite é o camelo que me conduz à lanterna de um oásis, onde o cansaço é um sonho de nunca mais acordar. A simplicidade deste percurso diário, é a arte complicada de não pensar, sugando todo o seu encanto com a realidade das dunas que me povoam e com a eternidade do camelo que se arrasta sem oásis e sem desertos para compreender que a água reservada, não é mais do que um sopro de pérolas que choveram dos olhos, sem luz do dia, sem a luz da noite, porque as dunas apenas lambem o tempo com os lacraus da finidade. Tem dias que esta duna que aparento ser, cobre a razão da luz, esconde no silêncio da sua imobilidade a voz que o silêncio abraça ternamente para que não se ouçam os pingos da chuva que nunca se olham.
Tenho dias que sou o adeus do próprio adeus. Só o vento me acalma, só uma palmeira conhece a sombra da minha sombra.
Tenho dias que entre o deserto e as estrelas, sou a simplicidade do nada, do ninguém.
Tenho dias que é este o hábito que visto na areia solitária de um silêncio.

Bellaria Igea-Marina, 06 de Novembro de 2024

por Renato Cresppo

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Tempo vestido de nada

Perder tempo! Tudo o que faço nesta vida de ermitã é perder tempo. Entro no metrô, observo pessoas cheias de nada, ouço conversas a que sou alheio, saio do metrô, entro em um carro, vazio de pessoas, cheias de tudo o que nada é, ouvindo conversas que escorregam pelo tempo como se fossem moinhos moendo águas de pensamentos dispersos. A cidade, fria e chuvosa, passa por mim ou passo eu por ela comigo lá dentro, dentro de uma resposta que é a resposta de não haver. Abandono o carro e sinto uma saudade, não sei bem de quê. Caminho cansado de estar cansado com um cansaço que é esta distância de ver para lá do que não vejo. Sou uma simulação de tempo, um reformado que adormece o silêncio, reformado que acorda a idade de não a ter, por a ter perdido no longínquo abraço de uma despedida que se saúda a si mesma. A rua, esta rua por onde vou, sem ir, é um movimento opaco na transparência de tudo ver, vendo que a vida é uma floresta de diálogos que esconde no seu labirinto de metáforas, as metamorfoses de um eco que me murmura a idade feminina que envelheceu o vigor de uma manhã noturna. Meu adeus! O tempo que perdi é a ciência exata que se vestiu com este tapete celular onde toda a inocência são pedaços de fome humana com que sacio este corpo que se arrasta pela idade de não a ter. Tudo o que resta é perder tempo. Tempo vestido de nada.

Bellaria-Igea Marina, 21 de Junho de 2017.

Por Renato Cresppo

A liberdade da aurora

No refugo dos pensamentos
Há formigas de carne,
Ossos de fugas diárias,
Nos acepipes das noites cruas.
São claustros de sinônimos
Que vestem quadros de cores
Aos cemitérios da consciência,
Gargantas que modelam dores
Aos subterrâneos da coragem
E sorrisos que se inventam
À fuligem dos olhos sem arte
Para romperem o cerco do medo
E plantarem nas aves do tempo
A liberdade da aurora.

Bellaria-Igea Marina, 21 de Junho de 2017.

Por Renato Cresppo

Dos mistérios da coruja e da pulga

A coruja semicerra as pestanas de azeviche enquanto as suas pupilas memorizam os sinais exteriores de uma inteligência fugaz. A pulga que saltita de folha em folha disserta sobre as palavras que não ouve e explana, em frases de finíssimas filigranas, o conteúdo de existências banais e a longevidade dos seus silêncios inexplicáveis, à luz da condição humana. A coruja é a imaginação da lucidez e a, pulga, o veículo da sua arquitetura. A elasticidade da pulga é o forno de uma linguagem que a coruja decifra e arquiva nas ramificações dos seus mistérios. A revelação dos seus sinônimos é a semente do tempo que se vive.

Bellaria-Igea Marina, 21 de Junho de 2017.

Por Renato Cresppo